quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
AS SANDÁLIAS DA REJEIÇÃO
Por
F. Alencar
Naquele cesto improvisado de junco deslizava pelo Nilo o futuro de Israel. O bebê tinha pulmõesinhos fortes, a julgar pelo choro que não queria parar. Talvez nem fosse isso. É possível que um certo sentimento de rejeição fosse o ímpeto que lhe inspirava aquele insistente lamento.
Moisés foi colhido do rio, mas não eram os braços de sua mãe que o aqueciam agora. Foi levado para o meio de um povo. Mas era outro povo, não o seu. Aquela, definitivamente, não parecia em nada com a sua casa. Era um hebreu numa casa de egípcios.
À medida que o jovenzinho se formava, seu coração buscava em vão sentido para toda aquela inconsistência. Seu intelecto absorvia uma cultura que a sua língua com hesitação conseguia expressar. Um menino gago e tímido crescia vendo seu povo sob o chicote dos egípcios. E, afinal de contas, a qual povo Moisés pertencia? E como aceitar-se a si mesmo se nem conseguia definir com certeza quem era? Um príncipe-escravo, servo de pais egípcios ou um filho da sua própria serva. Era muita confusão pra a sua cabeça.
Um dia viu um soldado oprimindo um hebreu. Seu coração teve um vislumbre daquilo que poderia devolver-lhe a vida que deixara quando bebê naquele cesto de Junco. Ei! O que estou fazendo. Eu pertenço a essa nação. Eu sou hebreu, não egípcio! E, antes que pensasse, sua adaga rapidamente definiu a trajetória do confronto. Moisés matou o egípcio deixando nascer em si o libertador de toda uma nação.
Mas não é todo dia que um libertador fica impune. Não precisou muito tempo para descobrir que, em vez de pertencer aos dois povos, agora já não pertencia a mais nenhum. A ninguém mais senão à rejeição do deserto. Mas ele já conhecia aquele caminho muito bem. Providenciou então uma vara, calçou as sandálias e foi.
Deus então o encontrou.
O primeiro sinal de Deus no deserto não foi a sarça a arder. Foi Zípora. Por ela Deus dizia: Moisés eu quero que você saiba que uma pessoa muito especial o ama.
O segundo sinal foi Jetro. Posso imaginar o sogro de Moisés com um olhar profundo e intimidador: estou lhe confiando um grande tesouro. Sei que você é capaz de zelar por ele.
O terceiro sinal de Deus foi a sarça. Este queimou o coração de Moisés, embora não tenha consumido a rejeição que lhe doía o peito. A voz veio de dentro da sarça: Moisés, você é necessário. Sua vida tem um sentido. Pessoas precisam de você. Tudo o que precisa agora é se livrar dessas sandálias pois você está entrando num terreno de cura e libertação. Deixe o pó da estrada para trás.
A conversa deve ter sido longa. Moisés passou um tempo explicando a Deus porque não se sentia adequado para aquela missão. Definitivamente, aquele não era o homem certo. Mas, como sempre, seus argumentos se mostraram insuficientes. Ele teve que ceder.
Quando o fogo do encontro apagou, Moisés pegou a vara, calçou as sandálias e foi.
Continua...
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